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Precisamos falar sobre representatividade LGBTQ na TV

Nós nunca falamos tanto em representatividade como no ano de 2016. As minorias finalmente estão conquistando vários espaços e na TV não poderia ser diferente. Nós já falamos aqui da representatividade feminina na TV e agora chegou a vez de falarmos sobre a representatividade LGBTQ. Gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e queers lutam diariamente contra diversos desafios impostos pela sociedade na vida real. Mas, e na TV, como essas pessoas estão sendo representadas? Será que o papel da TV tem sido efetivo em demonstrar as lutas dessas pessoas ou nós ainda continuamos vendo personagem deveras estereotipados?

GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation), organização não-governamental que monitora como a mídia retrata a comunidade LGBTQ, faz um relatório anual sobre a participação de gays, lésbicas, bi e transexuais e, embora os números de 2016 pareçam satisfatórios, nós ainda estamos longe de uma representação efetiva.

Em 2016, dos 895 personagens regulares em séries, 43 (4,8%) eram identificados como gays, lésbicas, bissexuais, transexuais ou queer. De 2015 para 2016 houve um aumento de 0,8% e o percentual de 2016 é o maior que o GLAAD já identificou. Entretanto, é impossível não notar que esse número ainda é muito pequeno. Será que se olharmos para nossa sociedade teremos apenas 4,8% de pessoas LGBTQ?

Apesar do aumento, ainda vemos alguns problemas, como a diminuição das personagens femininas lésbicas, tanto na TV aberta quando na TV a cabo, nos EUA. Em 2016, o número de mortes dessas personagens já passa de 20 e só em um semana, no primeiro semestre, morreram 6 personagens, sem uma explicação plausível para a trama – nós também já falamos desse problema aqui na Pixel TV. E, ao contrário do que dizem alguns, não é vitimização. É claro que personagens LGBTQ podem morrer como quaisquer outros. Entretanto, os estudos mostram que essas mortes são absolutamente irrelevantes para a trama. Assim, é inevitável que surja o questionamento: por quê? Parece que estamos novamente nos anos 90 quando Leila e Rafaela, um casal lésbico de Torre de Babel, morreram na explosão de um shopping somente por que estavam sendo rejeitadas pelo público.

Ainda na década de 90, em 1999, a TV britânica estreou a série Queer as Folk que logo ganhou sua versão americana, em 2000 – foi essa versão que fez a série ficar conhecida mundialmente e considerada por muitos como a precursora da temática LGBTQ na TV. De lá para cá, mas também antes disso como em Will & Grace, foram várias as produções que contavam com protagonistas gays e lésbicas – lembrando que a questão dos bissexuais, assim como na vida real, ainda é um tabu que precisa ser quebrado nas telinhas. The L World (2004), Lip Service (2010) e Faking It (2014) traziam protagonistas lésbicas, sendo as duas primeiras tratando com mais seriedade o assunto. Looking (2014), produção da HBO, e a comédia australiana Please Like Me (2013) traziam protagonistas gays. E vale lembrar que a lista é bem maior que isso, ok?

Enquanto na TV estrangeira o número de personagens LGBTQ sobe a cada ano, aqui no Brasil nós vemos um crescimento tímido desses números em décadas. Em 43 anos, das inúmeras novelas produzidas pela Rede Globo, apenas 62 delas trouxeram personagens LGBTQ. Foram 126 personagens durante todos esses anos. Foi na novela Assim na Terra como no Céu (1970) que o primeiro personagem gay apareceu nas novelas da emissora. Mas somente 44 anos após essa aparição é que o primeiro beijo gay de uma novela da Globo exibida no horário nobre aconteceu. Em 2014, o beijo tímido entre Félix e Niko, da novela Amor à Vida, durou apenas 9 segundos e rendeu uma enxurrada de comentário na internet – tanto a favor quanto contra a decisão dos produtores. Em 2015 a produção da novela Babilônia resolveu repetir o feito do beijo, só que dessa vez com um casal de lésbicas e logo no primeiro capítulo da novela. Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg protagonizaram uma cena de beijo que causou furor de muitos telespectadores que acabaram boicotando a produção. Logo os rumos do casal foram mudando. Antes disso, em 2011, a novela do SBT (quem diria, né?) Amor e Revolução já tinha trazido um beijo de verdade entre as personagens Marcela (Luciana Vendramini) e Marina (Gisele Tigre). O primeiro beijo gay da TV brasileira aconteceu em 1963, no programa Grande Teatro, da extinta TV Tupi, e foi protagonizado pelas atrizes Georgia Gomide e Vida Alves – a última faleceu no último dia 4. De lá pra cá, apesar da timidez, é notável o esforço das emissoras brasileiras em representar o amor entre personagens LGBTQ.

Além de gays e lésbicas, os transgêneros também têm sido mais representados na televisão nos últimos tempos. Além dos personagens trans, também vemos atores trans ocupando cada vez mais o seu espaço nos shows televisivos. É o caso de Jamie Clayton, de Sense8, e Laverne Cox, de Orange is the new Black, ambas produzidas pela Netflix. Na contramão desse movimento, Jeffrey Tambor, ator cisgênero e heterossexual, dá vida a Maura Pfefferman em Transparent, drama da Amazon. Por seu papel na série, o ator já levou pra casa um Globo de Ouro e um SAG Awards e reconhece que, embora seu papel seja importante, o ideal é que um transgênero fosse escalado para o papel, como acontece em Transparent mesmo, com Trace Lysette interpretando Shea.

Nesse sentido, American Horror Story tem feito a lição de casa direitinho. A série de Ryan Murphy, mesmo criador de Glee – que é, talvez, a série que mais se destaca no assunto – teve em suas duas últimas temporadas dois atores trans: Chaz Bono (filho da cantora Cher) e Erika Ervin.

As Wachowski

Por trás das câmeras, nós ainda temos os exemplos de Sense8 e Transparent contando com produtores trans. Em Sense8, Lana e Lilly Wachowski, também conhecidas como “as Wachowski” – na época em que produziram Matrix, elas eram conhecidas como os “Os Wachowski” por aqui – dividem a criação e o roteiro da série que traz Jamie Clayton no elenco. Em Transparent, a trans Zackary Drucker é uma das produtoras e já participou de alguns episódios.

Nosso objetivo com esse texto é mostrar que se a situação já melhorou, ela ainda está longe do ideal. Existe um grande caminho a ser trilhado com relação a representatividade de população LGBTQ na televisão, tanto estrangeira quanto brasileira. Muito além dos números, é preciso mudar a forma como esses personagens são retratados, fugindo dos estereótipos e assumindo papéis de protagonistas nas tramas, mas também de protagonistas de suas próprias histórias.

*texto escrito por Gabriela Assmann e Maísa França

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