Precisamos falar sobre representatividade feminina na TV

Acreditem ou não, sempre tive dificuldade em encontrar alguma artista ou personagem que me representasse. Daí, vem o bombardeio com aquela questão de praxe: mas você é branca e está em todos os lugares. Isso não chega nem perto de uma justificativa, pois representatividade é muito mais que a cor da pele.
Antes de aprofundar essa minha afirmação, é importante dizer que este post tem como foco a representatividade feminina na televisão (principalmente a americana, já que é um dos focos da Revista Pixel). Sendo assim, vamos a alguns dados pertinentes.
Todos os anos, o Sindicato de Diretores dos Estados Unidos (DGA) faz uma varredura no âmbito diversidade, analisando etnia e gênero de todos os profissionais que são contratados para dirigir séries da TV aberta e fechada. Inclusive, as produzidas pela internet (leia-se: Netflix). De acordo com os resultados de 2015, o crescimento da presença feminina em cargos de direção foi modesto. Um modesto de 14% para 16%.
No total, foram analisados 3.910 episódios da temporada 2014-2015. Quantos foram dirigidos por mulheres? 620. Pouco, né? Sim, é pouco, mas o Sindicato aplica uma regra que exige de qualquer produção seriada a contratação de 40% de mulheres e de homens negros em postos de direção no ciclo de um ano.
Dentre as séries que ficaram na lista do bem estão Empire, Jane the Virgin, Homeland, Awkward, Chicago P.D. e Pretty Little Liars. Se eu fiquei feliz em ver algumas das minhas séries favoritas listadas? Com certeza, mas é importante ressaltar que muitos estúdios não se esforçam para fazer essas contratações ou trabalham na borda da porcentagem estipulada pelo Sindicato.
Esse é um dos problemas com relação à representação feminina na televisão, e até mesmo no cinema. Se não há mulheres na cadeira principal, como outras, que possuem esse sonho, batalharão pelo seu espaço? É fato que assumir cargos de poder, pelo tempo que for, ainda é uma dificuldade tremenda para as mulheres. Não só nos Estados Unidos, mas no Brasil também. Basta dar uma olhada na bancada dos jornais. Sempre há uma mulher em parceria de um homem, e a mensagem que fica nas entrelinhas é “olhem, pensamos nela também, só que sozinha ela não dá conta”.
Mas é ótimo tê-la ali. Porque é uma mulher encabeçando um jornal. O mesmo vale para as escritoras de novelas – que precisam de mais espaço, diga-se de passagem.
Englobando direção, edição e o papel de showrunner, há exemplos que podemos citar nessa questão de representatividade em cargos de poder (citando as populares): Shonda Rhimes (Grey’s Anatomy), Marlene King (Pretty Little Liars) e Julie Plec (The Vampire Diaries). Essas mulheres possuem liberdade criativa nos respectivos programas televisivos, bem como escrevem, executam e ditam no writer’s room.
Há também menções honrosas como Claire Danes e Vera Farmiga, que fazem parte do grupo de atrizes que migrou para o posto de produtoras executivas das séries que atuam. Um salto importantíssimo, porque mostra que mulheres podem sempre mais.
Representatividade não é apenas representar

Em linhas breves, representatividade é: representar um segmento ou um grupo com eficácia. Atualmente, ainda temos baixa presença feminina na televisão que represente outras com rigor e qualidade. Há quem diga que basta ter uma mulher protagonista na série que está tudo certo. Correto por ela estar lá. Errado para quem pensa que isso basta.
Sim, a presença da mulher é importantíssima como atriz, diretora, produtora, etc., em qualquer âmbito profissional. Mas, vejam bem, quando falamos de protagonistas de TV, por exemplo, o que é visto são mulheres, em grande maioria, estereotipadas. E é impossível se sentir representada por elas. Ou porque fogem demais da realidade ou porque é mais do mesmo.
Muitas são objetificadas, taxadas de burras ou estão ali para bancarem de mero desejo masculino. É uma questão mercadológica que não representa nenhuma mulher por não condizer com o que queremos ver. Não queremos uma mulher se diminuindo por um cara, mas vencendo as adversidades. Queremos essas inspirações para chamá-las de heroínas. De nossos exemplos. Isso vale para todos os âmbitos da vida.
Daí, temos outra “questão mercadológica” que enquadra as mulheres que conquistam personagens interessantes: mulheres brancas que tendem a ser loiras e magras. Nem todas são brancas, loiras e magras, mas é o que a indústria esfrega na nossa face. Se eu me vejo nelas só por ser branca? Obviamente que não.
A adolescente ou a mulher protagonista na televisão costumam vir de vários estereótipos: está ali para rebaixar outras mulheres, para ser pivô de separação, para ser a segunda esposa, para atender o homem, para ser sombra do homem, para ser protagonista e depois se tornar a aliada porque está completamente apaixonada. Podem ter 20 personagens femininas em cena, mas tendo essas características não conversamos sobre representatividade.
Porque se ver representada tem a ver também com se encontrar naquilo que se vê. De ver a sua história sendo contada por uma personagem como você. Não é apenas ter a mulher na TV, embora isso seja essencial.
Voltamos ao momento em que disse que não era representada em nenhuma personagem e há quem rebata isso por eu ser branca. A “questão mercadológica” me impede de ter exemplos na televisão, mas ao mesmo tempo ela diz que estou ali por causa da minha cor. Posso ser branca, mas não estou sendo retratada em várias narrativas. Porém, não as desmereço em valor, porque são mulheres e mulheres precisam de muito mais espaço. E isso me faz feliz.
Isso não é um problema unicamente meu. Ainda há tabus e receios de uma mídia que não quer que mulheres sejam vistas com valor e mérito. Ou, abrir brecha para outras belezas, porque mulher branca é padrão e que, consequentemente, vende mais.
Essa tal de representatividade…

Darei um exemplo simples, mas fundamental: o discurso da Viola Davis no Emmy deste ano. Ela disse que o que separa uma mulher negra de qualquer outra é oportunidade e trabalhos tão bons quanto os que são dados para mulheres brancas.
“Você não pode ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não estão lá”. Automaticamente, isso me fez lembrar do documentário Miss Representation: não podemos ser o que não podemos ver. O DGA afirma que houve um aumento no papel da mulher na direção, mas aonde estão elas? Sabemos pelos nomes, mas cadê suas histórias? Cadê que despendem a mesma energia dada a um homem para uma mulher?
O mesmo vale para qualquer mulher que está na indústria do entretenimento. Cadê o espaço na TV para que possam representar papéis que se relacionem com aquela outra mulher, ou adolescente, que a acompanha por vários episódios?
Daí, temos as séries adolescentes, e as poucas que acertaram são as que já finalizaram. Havia meninas ali, mas ainda tinha aquela ideia enraizada do triângulo ou de ser validada pelo crush ou de ser a garota malvada. Quem fugiu bastante disso foi Glee, que trouxe personagens significantes e contra o tal padrão. Qualquer menina poderia se identificar com a Rachel, a Quinn, a Mercedes, a Santana, a Tina. Várias garotas que não estavam apenas ali por estar, mas carregavam diferentes backgrounds.
Assim, representatividade não é apenas sobre mulheres expostas na indústria do entretenimento. Não é apenas ter uma mulher no centro. Ela precisa estar lá e ter uma história para contar. Longe de estereótipos que atendam grupo X de consumidores, porque, ao fazer isso, ela não passa de um mero objeto.
Representatividade feminina é o protagonismo para todas as mulheres. Quando digo todas, são todas. Talvez, nem precisa ser a personagem principal, mas ser uma secundária tão boa quanto a protagonista. O mesmo vale para as antagonistas que também são deveras estereotipadas. Queremos mulheres brancas, negras, asiáticas, indígenas, gordas, magras, lésbicas, transexuais, e assim por diante, em destaque sim, mas também com narrativas que façam jus as respectivas caracterizações. Não sensacionalismo ou aquela impressão de que elas estão ali só para cobrirem os 40%.
Representatividade importa e muito

Por mais que haja um leque de personagens femininas na televisão, os estereótipos dos quais são retratadas não abrem espaço para uma representatividade justa. Se o mercado de trabalho nos trata mal, o entretenimento faz pior. Dessa forma, a mulher precisa estar ali e em posto de relevância.
Os produtores trabalham em nichos, em ideias que acham que vingarão e que fidelizarão o público. Uma mulher sexualizada chama mais atenção que uma Annalise Keating (How To Get Away With Murder), porque os chefões tendem a pensar no público masculino quando desenvolvem as suas protagonistas.
Representação feminina é importante para fortalecer as mulheres e potencializar suas ideias. Seja como atriz ou diretora, exemplos citados neste post. É empoderamento. Dar espaço para uma mulher é o mesmo que abrir portas para outras que acreditam que não podem ir longe porque simplesmente não se veem na TV, no cinema e nos livros. Feliz ou infelizmente, somos influenciados pelo que vemos e se uma garota de 15 anos não se identifica com o que assiste ou não vê uma mulher no cargo que almeja, como acreditará que para ela tudo é possível?
Palavras como as da Viola são importantes, porque frisam que representatividade importa. Que é necessário papéis para as mulheres se destacarem pelo talento, pela entrega e pela dedicação ao personagem. Pela história que querem contar. Amo histórias que amarram personagens femininas magníficas e isso me representa completamente.
Representatividade importa ainda mais quando falamos de diversidade. A diversidade abre margem para diferentes estilos narrativos e pluralidade na indústria do entretenimento. Vários grupos não são representados na TV e, quando o são, beiram ao mau gosto e aos clichês – os estereótipos, amigos.
Representar é empoderar as pessoas, não apenas usá-las para preencher os 40%. É fazer com que elas se reconheçam dentro da mídia que as inseriu.
Devemos ficar muito felizes por vermos mulheres sendo donas das próprias séries, mas devemos ficar ainda mais felizes quando elas fogem dos estereótipos. Queremos mulheres de várias etnias, com riqueza de storyline e multifacetadas. Queremos heroínas porque elas se tornam exemplos que salvam vidas.
E é aí que digo que representatividade tem algo mais: relação.
Vejam o milagre que Rowling fez ao escrever Hermione Granger. A autora sinalizou que meninas estudiosas, as lindas nerds, e que sofrem bullying na vida real podem ser heroínas. E que não devem ter vergonha de si mesmas. Exemplo aleatório, mas acho que todo mundo percebeu aonde quero chegar.
Exigir uma protagonista que fale com você e que a represente é necessário. A representatividade na indústria do entretenimento ainda tem muito o que melhorar, pois não é apenas colocar uma mulher como personagem principal ou dar a ela a cadeira de direção. É dar a ela a chance de mudar a história, de mostrar que algumas coisas são possíveis sim. É sobre ser a heroína para outras meninas e mulheres que não se sentem representadas.